CRIANÇAS NA DITADURA

03/09/2021

Figura 1: Crianças detidas na ditadura militar no Brasil - Domínio Público

As crianças também foram atingidas pela ditadura no Brasil. A ditadura empresarial-militar brasileira perseguiu e matou aqueles que se opunham ao regime. Um argumento comumente usado para defender a Ditadura Militar se baseia no pensamento de que os presos políticos eram presos ou perseguidos porque deviam estar fazendo algo "errado". Esse argumento, fraco e absurdo em si mesmo, cai definitivamente por terra quando se descobre que o Estado não cometeu violência apenas contra adultos ou contra jovens estudantes. Muitas crianças, filhos e filhas de homens e mulheres perseguidos(as) e presos(as) políticos(as), também foram violentados(as) e torturados(as) física e psicologicamente pelos agentes do regime ditatorial brasileiro. A maioria dessas crianças eram filhos e filhas de mulheres militantes e foram sequestradas por vingança ou para coagir seus pais e mães em troca de informações. Existem crianças desaparecidas até hoje. Como vários os arquivos da ditadura (dentre eles os do Exército, Marinha, Aeronáutica) continuam fechados, há uma grande dificuldade de localização pelas famílias. Essa questão também dificulta a responsabilização dos culpados.

Os sequestros e torturas de crianças tinham um propósito. A intenção ao violentar essas crianças era coagir e pressionar os presos políticos e os chamados "terroristas" a confessarem ou entregarem seus companheiros. São muitos os relatos que expressam o terror a que essas crianças e suas famílias foram submetidas. Entre esses relatos, está o de Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha. Seu depoimento foi decisivo para marcar uma página importante da luta pela punição dos torturadores da ditadura. Amelinha conta que seus filhos de 4 e 5 anos foram presos e levados para a sala de tortura onde ela se encontrava nua, urinada e vomitada, o que ela considerou a maior de todas as torturas que sofreu. Quem comandou esta ação foi o "Coronel Ustra", e o depoimento de Amelinha foi decisivo para que o militar fosse oficialmente reconhecido como torturador pela Justiça brasileira.

No livro "Infância Roubada - Crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil", Samuel Moreira descreve no prefácio um resumo do que aconteceu com essas crianças, deixando claro o absurdo cometido pelo Estado Brasileiro: "Eles foram sequestrados e escondidos em centros clandestinos de repressão política da ditadura militar brasileira (1964 - 1985). Afastados de seus pais e suas famílias ainda crianças, foram enquadrados como "elementos" subversivos pelos órgãos repressivos e banidos do país. Foram obrigados a morar com parentes distantes, a viver com nomes e sobrenomes falsos, impedidos de conviver, crescer e conhecer os nomes verdadeiros de seus pais. Foram, enfim, privados do cuidado paterno e materno no momento mais decisivo e de maior necessidade, que é justamente a infância".

As violências cometidas contra essas crianças trazem sequelas que não ficam marcadas apenas como histórias do passado. A separação da família, por um tempo que pode chegar a várias décadas, geram casos em que o resgate do convívio familiar nunca foi possível. São traumas que mudam suas histórias, afetam seu desenvolvimento psíquico e social e deixam marcas que essas pessoas carregam por toda a vida. As marcas físicas e psicológicas ficam registradas em seus corpos pela violência extrema que sofreram. São histórias tão variadas que não é possível descrever em poucas linhas. Muitas dessas crianças perderam seus pais e mães assassinados ou desaparecidos, como estão até hoje. Carlos Alexandre Azevedo, foi um dos casos mais conhecidos. Carlos foi levado de sua casa por policiais do DOPS-SP em 1974, quando ele tinha 1 ano e 8 meses. Foi golpeado com socos, recebeu choques e ficou detido por 15 horas, quando foi devolvido à família. Carlos nunca se recuperou da violência sofrida e se suicidou em 2013. A história de Carlos e o sofrimento que carregou por toda a vida deixam claro as marcas devastadoras deste absurdo cometido pela ditadura no Brasil.

Algumas crianças nem nasceram porque suas mães foram assassinadas ainda grávidas. Outras foram torturadas ainda no ventre de suas mães e outras nasceram no cárcere. Como se não fosse suficiente, ainda existem casos de crianças que foram geradas pelos estupros cometidos contra as mulheres militantes. Muitas crianças ficaram encarceradas por anos como subversivas, perigosas e inimigas do Estado e os relatos revelam casos de crianças recém nascidas que sequer conheceram suas mães e pais. Casos assim fizeram com que muitas mães que só voltassem a ver seus filhos depois de vários anos, pais que nunca mais voltaram para casa, crianças que testemunharam seus pais serem torturados violentamente ou mortos. Violências extremas testemunhadas no cárcere e dentro de suas casas.

Os casos são tantos que são impossíveis de serem enumerados. São tantos desaparecimentos e crianças tão novas que não lembram de suas histórias que fica impossível resgatar a dimensão deste horror que atingiu essas vidas durante a ditadura. O resgate dessas histórias e da verdade dos acontecimentos, com tantas violações extremas de direitos humanos, precisam vir a público para que a memória dos atingidos pela ditadura empresarial-militar não seja perdida ou esquecida, para que a justiça um dia seja feita e para impedir a ação daqueles que desejam apagar a memória dos fatos históricos, mantendo esses criminosos covardes e abjetos totalmente impunes.


Autora: Ana Cláudia Bessa, graduanda em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora e integrante da linha de pesquisa - Cinema e ditadura em plataforma virtual - vinculada ao grupo de pesquisa certificado no CNPq "Subjetividade, Memória e Violência do Estado".


Referências Bibliográficas:

BRANDÃO, Marcelo. Presa política lembra como 'conheceu' o Coronel Ustra, homenageado por Bolsonaro. Agência Brasil - Rede Brasil Atual. 2016. https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/04/presa-politica-lembra-como-conheceu-coronel-ustra-homenageado-por-bolsonaro-3103/ . Acessado em 21/04/2021.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Bebês e crianças sequestrados durante a ditadura: uma história para não esquecer. Comissão de Direitos Humanos e Minorias. https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/bebes-e-criancas-sequestrados-durante-a-ditadura-uma-historia-para-nao-esquecer. Acessado em 11/05/2021.

REDAÇÃO RBA. Ustra condenado: 'Além da verdade, queremos justiça', dizem familiares. Rede Brasil Atual. 2012. https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2012/08/ustra-condenado-201calem-da-verdade-queremos-justica201d-dizem-familiares/ . Acessado em 21/04/2021.

ROCHA, Davi. 11 histórias de crianças atingidas pela Ditadura Militar brasileira. Buzzfeed. 2018. Disponível em https://buzzfeed.com.br/post/11-historias-de-criancas-atingidas-pela-ditadura-militar-brasileira. Acessado em 11/05/2021.

SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa. Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva". Infância Roubada, Crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil. São Paulo: ALESP, 2014a . (Relatório temático sobre as crianças afetadas pela Ditadura Militar no Estado de São Paulo) (Versão impressa e digital. Versão digital disponível em: https://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/livros/infancia-roubada . Acesso em 11 de maio de 2021. 


LACE - Laboratório de Agenciamentos Cotidianos e Experiências - 2020 
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora